Júlio Verne e o Quarto Estado da Matéria

 

    "Os jatos reluzentes do raio misturam-se às explosões do trovão; inúmeros clarões se entrecruzam em meio às detonações ; a massa dos vapores torna-se incandescente ;"

   "Meus olhos estão ofuscados pela intensidade da luz, meus ouvidos, arrebentados pelo estrépito dos raios! Preciso me agarrar ao mastro, que se curva como um caniço com a violência do temporal !!!"

    "Os clarões não cessam, e vejo ziguezagues invertidos, que, após um rápido jato, vêm de baixo para cima e vão bater na abóbada de granito.(...) Outros clarões se bifurcam ou tomam a forma de bolas de fogo que explodem como bombas."

    "Há uma emissão contínua de luz na superfície das nuvens; sem parar, a matéria elétrica solta-se de suas moléculas. É claro que os princípios gasosos do ar se alteram."

    Os trechos acima foram retirados do fantástico livro de aventuras de Júlio Verne,"Viagem ao Centro da Terra." O furioso prof. Lidenbrock, seu sobrinho Axel e o enigmático ajudante Hans estão no subsolo, explorando a extensão do mar Lidenbrock, em cima de uma pequena jangada. Eles tentam seguir a pista do não menos famoso Arne Saknussemm, um célebre alquimista do século XVI, que alcançou o centro da Terra, deixando uma mensagem criptografada como herança aos aventureiros que no futuro a decifrassem.Voltando aos protagonistas do livro, no meio do trajeto os três amigos são surpreendidos por uma estranha tempestade, composta por complicados efeitos químicos e eletromagnéticos.A descrição desses efeitos foi feita acima pelo fiel Axel.

    Verne escreveu esse famoso livro em 1864. É claro que na época já se sabia algo sobre fenômenos elétricos, magnéticos, e a grande façanha da época seria a junção dos dois fenômenos na Teoria Eletromagnética. Mas chamo a atenção para as seguintes frases :

 

"a massa dos vapores torna-se incandescente."

"Outros clarões (...) tomam a forma de bolas de fogo (...)."

"É claro que os princípios gasosos do ar se alteram."

    Provavelmente tais frases tentavam descrever um efeito absurdo que pudesse existir em condições fantásticas no esquisito mundo subterrâneo. Verne teria inventado tudo o que descreveu, provavelmente; mas os efeitos que frisei acima existem realmente e são muito mais comuns do que se poderia imaginar. Hoje em dia tudo isso pode ser explicado pelo intrigante estudo do plasma, o quarto estado da matéria !   

    No gás normal, a matéria é composta de moléculas ou átomos estáveis. Se os átomos perdem uma parte de seus elétrons, a matéria gasosa fica ionizada. Plasma é um ‘gás’, composto por moléculas e átomos normais, moléculas e átomos ionizados e elétrons livres.

    Os gases comuns se dilatam e preenchem todo o espaço em que se encontram. O plasma natural, sob certas condições, pode ser concentrado por meio de forças elétricas e magnéticas, obtendo-se então o relâmpago esférico, descrito no livro de Verne como "clarões" que " tomam a forma de bolas de fogo ."

    Esferas brilhantes, que aparecem em tempestades, constam em relatos desde tempos imemoriais. Verne pode ter se baseado nesses relatos, para compor a inusitada tempestade, em seu livro. Tais "aberrações" só foram enfim explicadas pela ciência em 1935, com o auxílio teórico da física de plasmas.

    Vamos então conhecer melhor esse quarto estado da matéria: Pode-se produzir plasma lançando sal de cozinha na chama de uma vela. O calor da chama é suficiente para arrancar elétrons das moléculas de Cloreto de Sódio do sal, criando o estado de plasma por alguns momentos.

    O plasma é como que o "estado primitivo" da matéria. Aproximadamente 90% da matéria cósmica é composta de plasma. Os estados sólido, líquido e gasoso é que são os casos excepcionais. Interessante,não? Quase toda a matéria interestelar é composta de plasma: o Sol, o fogo, a aurora boreau, os gases interplanetários. Os sistemas solares, em seu processo de formação, nada mais são do que gigantescas nuvens de plasma. Experiências em laboratório mostraram que alguns plasmóides têm grandes semelhanças com galáxias, alguns até parecendo nebulosas em espiral.

    Os gases normais são péssimos condutores de eletricidade. O plasma é bem diferente: sendo bom condutor, age duplamente como gás e como metal ("É claro que os princípios gasosos do ar se alteram", relatou Verne). Concluimos daí que os tubos de néon (tubo com gás no qual se passa uma corrente elétrica) contém plasma : "A massa dos vapores torna-se incandescente", descreve o notável escritor.

    Júlio Verne não poderia imaginar que um estado absurdo descrito em um de seus livros um dia seria usado para popularizar o estudo do plasma, tão atual e empolgante para todos nós...

...ou será que ele realmente imaginou ?

Lucio Marassi de Souza Almeida

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