Efeito Túnel

   A aventura no mundo quântico é muito empolgante. Quem já leu o texto "O que existe antes da existência?" lembra o preâmbulo que fiz sobre o surgimento da Mecânica Quântica. Mas vou relembrar alguns conceitos fenomenológicos já vistos no citado texto:

    À cada partícula subatômica está sempre associada uma "onda" de probabilidade. O conceito de existência no espaço-tempo está mais sujeito à probabilidade que ao nosso senso comum de lógica.

    Antes da Mecânica Quântica, achava-se que a superfície de um sólido era o limite exato entre este e o mundo exterior. No início do século XX sabia-se que os átomos do interior de um sólido qualquer estão completamente rodeados por outros átomos, enquanto que os da superfície só interagem com os adjacentes ou com os átomos do interior. Esta quebra de simetria da estrutura do sólido na superfície deste levou a problemas imensos na pesquisa de superfícies. A geometria dos átomos superficiais difere da geometria geral do sólido, gerando uma tal complexidade que a pesquisa de qualquer material fica prejudicada drasticamente.

    Hoje, com as descobertas da Mecânica Quântica, sabemos que uma nuvem eletrônica envolve os átomos (inclusive os da superfície dos sólidos). Existem, portanto, elétrons além da superfície, e a probabilidade de existência destes cai rapidamente com a distância à sua superfície. Pela teoria clássica, a existência dessa nuvem de elétrons seria impossível, como seria impossível as balas de canhão no fundo de um vulcão atravessarem as paredes deste e passarem a existir, de repente, do lado de fora. No entanto, no mundo quântico a probabilidade de existência é o que conta, e o elétron, comportando-se como uma onda, tem certa probabilidade de existir fora da superfície, e faz valer seus direitos nessa nova lei da natureza, só há pouco decifrada pelos incansáveis cientistas. À tal efeito mirabolante, que quebra a lógica clássica, chamamos efeito túnel (realmente, as partículas abrem "túneis quânticos" pelas antigas fronteiras clássicas).

    O "Microscópio de Efeito Túnel" (chamado de STM - scanning tunneling microscope ou, em português, microscópio de tunelamento por varredura) se serve deste espetacular efeito quântico para explorar estruturas de superfície a níveis atômicos. Como é sabido, tentar observar um átomo jogando-lhe luz visível é impossível, pois o comprimento de onda da luz visível é milhares de vezes maior que o diâmetro médio de um átomo; isso excitaria demais o objeto de estudo, tornando impraticável a fixação da imagem obtida. Evitando as partículas livres, o microscópio a tunelamento quântico usa como fonte de radiação os elétrons ligados da própria amostra. Usando os elétrons das nuvens eletrônicas vistas na superfície dos materiais (fruto do efeito túnel), o microscópio consegue analisar com precisão atômica cada átomo componente da superfície do material. Vi fotos de estruturas de diversos materiais, inclusive observando as estratificações, as camadas dos vários componentes de algumas amostras especiais. Podemos "ver" os átomos um a um !

    E ainda há quem pergunte: "mas para que me servirá saber isto? Qual a utilidade prática deste ou daquele conhecimento?". Hoje o homem pesquisa os fenômenos mais diversos e no dia seguinte encontra uso prático para o conhecimento adquirido. O incentivo à pesquisa pura deve crescer mais no país, se quisermos ter um lugar no futuro ! O exemplo mais claro é este: A Mecânica Quântica descobriu que existe o efeito túnel. "Mas para que me servirá saber isso?". Hoje o microscópio de efeito túnel é usado por engenheiros na confecção e análise de materiais, preparo e restauração de estruturas; é usado por químicos, bioquímicos, legistas, arqueólogos, físicos, e um longo ‘etc.‘, para os mais diversos e imprescindíveis fins.

    A ciência básica é a pedra angular do futuro.

                           Lucio Marassi de Souza Almeida

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